muitas palavras para alguem sem palavras

Altos e baixos sao mais rapidos por aqui. Passo de cansado para sorridente em poucos minutos, varias vezes ao dia. Mas no balanco geral, esta tudo acontecendo estranhamente perfeito.

Os ultimos dois dias nao tem sido faceis, mas estou comecando a gostar disso. Ontem depois do trabalho fui visitar uns brasileiros em SF por indicacao da Gica - minha irma de criacao, como ela diz, em um dos seus melhores trocadilhos. Marina, Gabi e Andre, gauchos que moram juntos por aqui. Depois de pegar a esquerda quando era a direita e andar o dobro, cheguei na casa deles e eis que rola um quarto por la. A galerinha eh muito legal, mas o lugar aparentemente nao. Bem que eu estranhei algumas pessoas pela rua, algumas com um sorriso meio banguelo e umas roupas estranhas, mas acabei relevando, e eles ficariam de me ligar. Depois dali, a Karina, uma mocinha muito querida que fui apresentado atraves do Junior, me levou para fazer compras de emergencia. No escritorio bonito, eu tenho que usar camisa. Eu soh tinha 3, a semana tem 5 dias, faca as contas. Karina me levou numa especie de C&A, com cara de marisa e preco de lojao do povo. Pasme, comprei uma camisa da levis xadrez por 20 dolares e agora tenho um look meio cowboy para escolher um dia da semana engracado e usar.

Quando cheguei em casa, Tula com seu sorriso abriu a porta e me perguntou do meu dia. Contei pra ela do lugar dos brasileiros, na Mission St. Ela fez um sinal da cruz e eu nao fiquei feliz. Aparentemente, as coisas ficam pesadas por la a certa hora da noite, coisas de mexicano diz ela. Depois de alguns minutos contando pra ela que era basicamente minha unica opcao, revelando minha situacao financeira assustadora, Tula me acolheu tres vezes mais, e aqui comeca a historia de um anjo. O que nao contei por aqui, eh que nao tinha mais outra velhinha-legal para eu ir, e Tula soh poderia me hospedar ateh no sabado. Ela fez varias contas, chingou um monte as agencias de intercambio e as empresas que deveriam pagar mais. Acreditem se quiser, ela me devolveu quase metade do dinheiro que eu tinha pago pra ela, e se eu nao aceitasse, ela literalmente ia me bater. E ela ja me bateu algumas vezes. Basicamente, ela tem cozinhado comida brasileira todo dia pra mim, feito cookies, cuidado de mim, e depois dessa, praticamente de graca.

Hoje no trabalho tive um momento chato, meio preciso-de-conta-bancaria-pra-receber-preciso-de-social-security-card-pra-abrir-conta-preciso-esperar-3-semanas-para-fazer-o-cartao, esse tipo de coisa. Mas por outro lado conheci um dos chefoes da empresa, um senhor simpatico a decima potencia que elogiou o meu ingles demais. Depois de la fui conhecer uma possivel outra familia que iria me receber. Quando cheguei na estacao de San Leandro, onde a familia mora, Heidi veio me buscar de carro. Literalmente, pisei em cima de todo o lixo que tinha no carro e seguimos para a distante inalcansavel casa muito longe de tudo dela. Vendo a casa dela, eu pensei se o carro nao seria uma opcao melhor pra dormir. Eram pessoas legais, foram gentis, disseram que me levariam pra conhecer toda a California e que eu poderia ateh usar o carro deles. Mas eles eram sujos e comiam comida congelada e gordurosa. Engoli seco e marquei de ir pra la no sabado, sei la, pensei que seria melhor, pois o preco era ridiculamente barato.

Peguei meu trem de volta para a casa da Tula, que me recebeu denovo com um sorriso enorme, e enquanto falava ao telefone me perguntou se tinha dado certo. Eu soh disse depois a gente conversa, mas ela ja desligou o telefone dizendo "ele chegou". Eis que descubro que ela passou o dia inteiro tentando achar um lugar pra mim, ligando desde a prefeitura ateh a embaixada brasileira, falando com todo o tipo de pessoa e todo o tipo de gravacao detestavel. No auge do meu desanimo e de me imaginar no pior cenario de familia americana, ela me disse que achou uma amiga dela que mora a duas quadras daqui e que tem um quarto pra mim. Eu sentei no chao de tanto alivio.

Ela pegou um pedacinho de papel e foi logo fazendo as contas: este eh o seu salario, isso eh o que ela cobra, isso eh o que voce vai gastar de metro e isso eh o que vai lhe sobrar. E mais, me disse que se eu precisar de dinheiro, que seja pra comprar um sapato, eh pra eu vir correndo pra ca e que depois a gente se vira. E me ensinou uns truques pra economizar dinheiro, ilariantemente ilegal, que nem vou descrever aqui. E enquanto ela me preparava uma pratada de arroz, feijao, peito de frango e salada, me disse que no sabado, que nao vai ter ninguem por aqui, ela vai me levar em todos os pontos turisticos de San Francisco e depois vamos tomar um porre pra comemorar. Sim, um porre, eu e a Tula.

Eu nao consigo acreditar na sorte que eu tenho de encontrar pessoas tao incriveis na minha vida. Se nao fosse essa senhora, engracadissima e de bem com a vida, eu estaria num belo sufoco. Ela esta fazendo mais por mim do que eu realmente acho que mereco, e ainda nao decidi a melhor forma de agradecer. Eu simplesmente nao entendo como alguem pode ser tao assim, simples assim. E ela me conhece a 5 dias. Nao sei nem explicar.

Bom, vale confirmar que o saldo geral de tudo ateh agora eh mais que positivo. Como a Tula disse, no meio de uma briga voce nao sente o soco que leva, soh depois que tudo ja passou que voce sente o quanto foi forte por nao ter caido com aquilo. E eh uma boa sabedoria, eu nao vou pensar em soco nenhum, nem nada, nao preciso. Um dia eu lembro disso tudo e a ultima coisa que eu vou ter, vao ser mas lembrancas.

Quase meia noite, bed time.